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Mostrando postagens de outubro, 2018

Simples

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Olhou para o fundo do copo e reparou como a água escorria e se esgotava enquanto, com sua mão, virava o recipiente. Ao mesmo tempo, ouviu e prestou atenção ao som de seus goles, " glump, glump, glump ...". Eram coisas tão simples, rotineiras e banais, mas que nunca havia prestado atenção. Como os vários tons de verde que se emaranhavam na copa de uma figueira, o formato que as asas de um pássaro tomam enquanto ele voa pelos céus, o sútil toque o vento fraco a lhe roçar o rosto. Fechou os olhos, tentou identificar tudo que ouvia, até o mais discreto som. Cantar de pássaros do lado de fora, o trêmulo gemer de um ar condicionado, passou um carro na rua ao lado e alguém arrastava os pés ao longo do corredor. Ouviu mais atentamente e ouviu-se por dentro. Não o trabalhar silencioso dos órgãos, mas o barulho ensurdecedor de suas idéias a se reverberar na caixa craniana. Sabia que em meio àquele caos, cada fio emaranhado o levaria a um novelo com tamanho, cor e textu

Civilidade? Hoje não, obrigado.

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Cá estamos nós, Homo sapiens sapiens  (onde sapiens  deveria significar sábio), a reinar sobre a superfície fina de um insignificante planetinha com nossas tão minguadas sapiências a decidir pelo outro o que é melhor para ele, mesmo sem estar a viver em sua pele ou sentindo suas dores. Nos dizemos civilizados, mas matamo-nos porque nosso time ganhou, ou porque perdeu. Matamo-nos por política, religião, amor, ciúmes, inveja, ganância... Enfim, sempre temos uma desculpa para matar nosso igual, mesmo que por vezes o tratemos por menor ou maior que nós mesmos. Ora, como podemos acreditar sermos civilizados se roubamos dinheiro destinado aos hospitais e escolas públicas? Se jogamos bombas em países alheios por puro interesse econômico ou fanatismo religioso? " Bandido bom é bandido morto! ", mas nos esquecemos que esse bandido é, antes de mais nada, uma pessoa, exatamente como você e eu. Sim, ele fez escolhas erradas. Não, ele não pensa nos outros quando pratica s

Às seis e meia da manhã…

Após um banho, mas ainda sonolento, o homem se dirigiu à cozinha e iniciou seu ritual matinal: mediu a água com uma xícara, ajeitou o filtro de papel grande demais, o retirou e cortou um pedaço, na próxima tenho que comprar filtros menores, pensou, colocou o pó de café e ligou a cafeteira, virou-se e começou a procurar algo para lhe saciar a fome. Pão, castanhas, queijo branco, comenta consigo, acho que é isso. Na TV, Mick Jagger gritava a plenos pulmões “I can’t get no satisfaction”. Ah! Eu te entendo, ele pensa. Poucos minutos o separam da mesmice, alguns chamam rotina, de sua vidinha medíocre, vazia e chata. Ele olha para a porta de vidro esperando que ela se abra, mas ninguém vai entrar. Ninguém vai bater no vidro pedindo para se juntar a você, ele se critica, pare de sonhar e termine sua refeição. Agora você é um homem, precisa se virar. Hoje amanheceu fresco. Queria conseguir gostar disso, ou de qualquer coisa. Ele sai resmungando o verso repetido à exaustão pelo velho ingl

O Maldito

Passos mudos ecoavam em sua cabeça. Ele sabia que, além dele, ninguém mais andava sobre aquele piso frio, mas ele ainda podia ouvia as risadas que outrora enchiam aquela casa de alegria. Tudo se foi agora. Tudo se foi. O silêncio se afastava ao som de rock, às vezes jazz, mas insistia em preencher seu peito dolorosamente. Lágrimas lavavam seu rosto diariamente, como se fosse um maldito ritual de lembranças em brasa. Ele amaldiçoava o responsável por aquilo a cada momento, o encarava sempre que diante de um espelho se punha. Recebia de volta do desgraçado, porém, o mesmo olhar de ódio, então desviava a vista e saia sem debater. O mesmo covarde de sempre. Usando de todo o seu livre arbítrio, se é que isso existe, cunhava seu destino de afastar todas as pessoas que um dia gostaram dele. É bom aprender a não ser agradável, pensava, assim não vais atrair mais ninguém para sua maldição. Para sua vida desgraçada. Só faz ferir quem se aproxima. É a única coisa que se esforça em sua vida, m