O Maldito

Passos mudos ecoavam em sua cabeça. Ele sabia que, além dele, ninguém mais andava sobre aquele piso frio, mas ele ainda podia ouvia as risadas que outrora enchiam aquela casa de alegria. Tudo se foi agora. Tudo se foi.
O silêncio se afastava ao som de rock, às vezes jazz, mas insistia em preencher seu peito dolorosamente. Lágrimas lavavam seu rosto diariamente, como se fosse um maldito ritual de lembranças em brasa.
Ele amaldiçoava o responsável por aquilo a cada momento, o encarava sempre que diante de um espelho se punha. Recebia de volta do desgraçado, porém, o mesmo olhar de ódio, então desviava a vista e saia sem debater. O mesmo covarde de sempre.
Usando de todo o seu livre arbítrio, se é que isso existe, cunhava seu destino de afastar todas as pessoas que um dia gostaram dele.
É bom aprender a não ser agradável, pensava, assim não vais atrair mais ninguém para sua maldição. Para sua vida desgraçada. Só faz ferir quem se aproxima. É a única coisa que se esforça em sua vida, maldito!
Ah, como ele queria que tudo aquilo acabasse. Tantas pessoas se vão de um mal repentino. Acabar com suas próprias mãos não era uma opção, além de ser covarde, prometera a sua mãe que não o faria. Ainda pensava em seu filho, que cresceria sem pai. Se bem que com um pai desse, talvez até fosse melhor.
Ele queria culpar sua ex-mulher ou seus colegas de trabalho. Queria culpar a vida, destino, Deus, a profecia que ouvira de uma mulher anos atrás. Mas não, ele sabia que a culpa era sua, completamente.
Sem ver um palmo de futuro à sua frente, mas sabendo que ainda não havia chegado sua hora, arrastou-se novamente para a cama.
Amanhã acordo cedo, resmungou, para continuar a sentir esse buraco no peito.

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