Maria Sangrenta


O jovem Marcos sempre era facilmente o principal alvo da chacota e brincadeiras de mal gosto de seus colegas. O menor da turma, também o mais inteligente, portando seus óculos grossos e sempre andando com seus ombros encolhidos, cabeça abaixada e passos curtos, mas apressados.

Os maiores, apesar de seus poucos doze anos de idade, sabiam ser cruéis com ele, que chorava fácil, e então o choro virava o motivo da zombaria. Tudo era um amargo ciclo vicioso infindável e espinhento que sangrava os sentimentos de Marcos enquanto todos os outros se riam dele.

Naquela manhã fria de julho não foi diferente. Marcos estava sentado encolhido em cima de uma privada, no banheiro de sua escola, chorando. Os fones de ouvido ligados a seu walkman tocavam The Cure, Close To Me, para abafar o mundo de fora.

“Você falou que nunca me deixaria, mamãe.” — resmungou sem perceber que Túlio entrava no banheiro naquele momento. O menino não perdeu a chance, saiu correndo para chamar seus comparsas de maldade, Jonas e Mario.

“Você me disse que sempre estaria comigo. Eu não aguento mais esses babacas…” — choramingava quando a mão pesada de Jonas empurrou a porta que o escondia.

“E aí, Marcos? Chorando pra sua mamãezinha?” — Os outros riram. — “Sua mamãe (e como ele carregou em sarcasmo essa palavra!) morreu. MORREU!” — Jonas se ria enquanto arrancava o walkman das mão do menino choroso e arremessava para Mario, que o jogou para Túlio quando Marcos tentou reaver a única forma que tinha de fugir da realidade.

Mas Túlio ainda arremessou o aparelho de volta a Jonas, que o jogou com força dentro da privada suja, fazendo-o se abrir de uma forma que não parecia ser normal.

“NÃO!” — Marcos protestou pelo walkman quebrado, mas era tarde. As lágrima correram grossas por seu rosto e ele tentou correr, apenas para sentir os braços de Mario o segurarem e o lançarem contra o chão.

“Não foge não, zói de vidro!” — Caçoou Jonas, que sempre liderava as brincadeiras. — “Como você consegue enxergar com esses óculos quebrados?” — Disse recolhendo os óculos de Marcos que haviam caído ao chão com o impacto e os arremessando para o alto.

O barulho de vidro quebrando no chão fez Marcos enfurecer, mas ele não tinha força física nem treinamento para enfrentar os três trogloditas sem cérebro. Baixou a cabeça e chorou ainda mais.

“Cadê sua mãezinha, Nanico?” — Jonas continuou. — “Ah, esqueci. ELA MORREU! Seu papai bateu o carro e o cérebro dela se espalhou pela rua, como se fosse pudim!” — Os três gargalhavam.

“VAI EMBORA!” — Marcos gritou sem mais aguentar de tanta agonia, tantas facadas em sua alma, e se arremessou contra as pernas de Jonas, que caiu no chão batendo a cabeça. Mario chutou de imediato a cara de Marcos, que sentiu o sangue descer por seu nariz.

Os dois gorilas de circo de Jonas o ajudaram a se levantar, mas Marcos estava tonto demais para conseguir correr para fora do banheiro. Então ele viu um borrão, que se revelou ser Jonas, se aproximando com a mão esfregando a cabeça e uma cara nada amigável.

“Agora ‘cê ‘tá ferrado, Nanico!” — Jonas disse antes de desferir um golpe certeiro no estômago do menino, que o fez ficar sem fôlego e perder o equilíbrio.

Mario se apressou a segurar Marcos em pé, apenas para servir de saco de pancadas para Jonas enquanto Túlio gritava atrás “Chuta o saco dele. Chuta o saco!”.

Jonas achou a sugestão divertida. O pé de Jonas encontrou os testículos de Marcos com tanta força que até o agressor começou a mancar. Marcos desfaleceu ao chão e Mario cuspiu em sua cara de dor. Marcos queria gritar por socorro, mas depois desse último golpe, nem sua voz saía pela boca escancarada.

Após se recuperar, Jonas levantou Marcos e passou a mão em sua face, limpando o sangue no espelho e segurando o rosto de Marcos para encarar seu próprio reflexo, a imagem de um verdadeiro fracassado. — “Já ouviu a história da Maria Sangrenta, Nanico?” — Jonas falava com a voz carregada de maldade. Mais parecia a voz de um demônio juvenil.

“Não. Não faz isso!” — Os olhos de Marcos se arregalaram em pavor.

“Olha só gente, o Nanico tem medo da Maria Sangrenta!” — E os gorilas acompanharam Jonas em mais uma série de gargalhadas forçadas, apenas para agradar seu líder. — “Maria Sangrenta!” — Jonas começou o famoso ritual.

“Não! Para!” — Esperneava Marcos, mas Jonas apenas se divertia ainda mais com aquele desespero.

“Maria Sangrenta!” — Jonas pronunciava as palavras se deliciando com o sofrimento do pequeno colega, o olhando profundamente nos olhos através do espelho. — “Maria Sangrenta!” — Uma pequena nuvem de vapor saiu da boca de Jonas ao pronunciar a última sílaba.

Um frio repentino se abateu sobre aquele banheiro, embaçando os espelhos e fazendo os meninos tremerem.

Marcos arregalou ainda mais os olhos, Jonas percebeu pelo espelho embaçado, uma figura se movendo atrás deles e soltou Marcos, se virando com medo de se deparar com um monitor ou ainda a diretora da escola, mas sua espinha gelou com a visão que teve.

Saindo da porta de um box vinha uma mulher com um vestido branco todo sujo que se arrastava no chão. Seus cabelos loiros desciam sebosamente pelo rosto e ombros, escondendo a face e deixando apenas um olho amarelado a observá-los com fome.

Sua cabeça inclinada doentiamente para a esquerda, com um buraco no crânio, derramava sangue sobre seu corpo, tingindo de carmesim as vestes, a pele gangrenosa e o chão sujo de mijo e lama.

A mulher arrastava a perna direita, que mostrava a ponta de um osso rasgando carne e pele. As mãos, com unhas negras e dedos estranhamente posicionados, vinham estendidas à frente, mostrando suas claras intenções para com os jovens.

Mario sentiu um líquido quente descendo por suas pernas, encharcando suas calças e formando um poça amarelada no chão. Túlio saiu gritando e chorando como se tivesse visto um fantasma… bem, ele viu!

Jonas tremia como se fosse uma vara de bambu verde ao vento. Sentiu seu estômago subir até a boca e descer de novo por várias vezes, suas pernas não respondiam, seus ouvidos zuniam e ele começou a chorar como um bebê. Mario já correra também, deixando seu mestre de maldades para trás, sozinho com a “Loira do Banheiro”.

A cada passo que a aparição dava em sua direção, Jonas se encolhia gritando por socorro, apesar de o grito não sair mais alto que um miado de gatinho recém nascido.

Então a aparição chegou em sua frente e se abaixou até chegar na altura de sua figura patética em posição fetal no chão. Ela se debruçou por sobre o jovem e foi abrindo a bocarra anormalmente grande e cheia de dentes que pingava uma baba amarela e fedorenta por sobre seu rosto.

Num derrame anormal de adrenalina em seu corpo, Jonas, sem pensar, se levantou gritando, correndo sem rumo e batendo com toda a força contra o batente da porta, caindo inconsciente e com sangue escorrendo de seu nariz e ouvido esquerdo.

A aparição então se levantou e virou toda sua atenção para Marcos, que estava imóvel no canto, encostado debilmente na pia e ainda sentindo seu corpo todo dolorido da agressão prévia.

Mesmo se arrastando, não demorou para que a mulher chegasse em frente ao pobre menino. Então o envolveu rapidamente com os braços decrépitos forçando seu corpo gelado contra o dele.

Marcos, chorando, retribuiu o abraço da mulher, que já não sangrava e apresentava as roupas tão limpas e brancas que chegavam a iluminar o rosto do rapaz. — “Obrigado, mamãe!”

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